Estudo sobre as Inovações no Reinado de Davi
Introdução
O rei Davi (c. 1010–970 a.C.) é amplamente reconhecido como o maior monarca da história de Israel, não apenas por suas conquistas militares, mas também pelas inovações governamentais, legislativas e diplomáticas de seu reinado. Sob Davi, as tribos dispersas foram unificadas em um único Reino de Israel, com capital em Jerusalém, inaugurando um período de expansão territorial e estabilidade interna sem precedentes.
As fontes bíblicas (principalmente os Livros de Samuel, Crônicas e Reis) descrevem em detalhe os feitos de Davi, enquanto pesquisas históricas e arqueológicas modernas têm contribuído para compreender o contexto e a veracidade desse reinado. Este relatório examina, em seções distintas, as inovações militares, legislativas e monárquicas introduzidas por Davi, bem como sua habilidade diplomática em lidar com povos vizinhos – inclusive inimigos tradicionais – e como essas ações consolidaram o reino unificado e elevaram o prestígio de Davi entre as nações.
Inovações Militares de Davi
Mapa das nações derrotadas pelo Rei Davi, indicando as campanhas militares contra filisteus, amalequitas, moabitas, edomitas, amonitas e arameus.
As realizações militares de Davi transformaram Israel de um grupo tribal vulnerável em uma potência regional. Davi reorganizou as forças armadas israelitas, passando do antigo modelo de milícias tribais para um exército mais profissionale permanente. Ele formou uma guarda pessoal composta por mercenários estrangeiros leais – os queretitas e peletitas – sob o comando de Benaia , introduzindo assim tropas de elite a serviço direto do rei. Além disso, nomeou comandantes experientes, como Joabe (general do exército) e estabeleceu hierarquias claras de comando e funções administrativas ligadas ao exército.
Essa estrutura profissionalizada permitiu mobilização rápida e campanhas militares coordenadas em múltiplas frentes. Em termos de tática e armamentos, Davi demonstrou notável inovação e estratégia.
Um exemplo clássico foi a conquista de Jerusalém, fortaleza jebusita até então considerada inexpugnável. Davi e seus homens tomaram a cidade mediante um estratagema de infiltração pelo sistema de túneis de água do manancial de Giom – identificado por alguns pesquisadores como o “shaft” (canal) de Warren. Os jebusitas, confiantes em suas defesas, foram pegos de surpresa quando as tropas de elite de Davi escalaram o túnel e atacaram por dentro as “muralhas invencíveis” da cidade. A tomada de Jerusalém não só demonstrou a engenhosidade militar de Davi, como também lhe forneceu uma capital estratégica: a cidade ficava em território neutro entre norte e sul, de grande valor logístico e político .
Durante seu reinado, Davi expandiu significativamente as fronteiras de Israel através de sucessivas vitórias sobre povos vizinhos. Entre as principais campanhas, destacam-se:
Filisteus: Davi derrotou repetidamente os filisteus (inimigos históricos desde os tempos de Sansão e Saul), subjugando suas cinco cidades-estado. Ele “acabou com a independência política” da pentápole filisteia , incorporando-as como estados vassalos. Essa vitória eliminou uma ameaça constante do oeste e garantiu o controle de rotas comerciais costeiras .
Moabitas: No leste, Davi “subjugou Moabe, transformando-o em um território tributário” (2 Samuel 8:2). Embora a Bíblia relate um castigo severo aos moabitas capturados, deixando vivos apenas um terço deles, o resultado foi a pacificação dessa fronteira e a cobrança de tributos regulares, fortalecendo o tesouro real.
Edomitas: Ao sul, Davi conquistou Edom, instalando guarnições militares em todo o território edomita (2 Samuel 8:13-14). “Todo Edom se tornou servo de Davi” e foi submetido à tributação . Essa ação assegurou o controle israelita sobre as rotas caravaneiras para o Mar Vermelho.
Amonitas e Arameus: A leste e norte, Davi também venceu os amonitas, tomando sua capital Rabá (Rabbah, atual Amã) e colocando sobre a cabeça de Davi a coroa real de Milcom . Em reação, aliados dos amonitas como os arameus de Zobá e de Damasco foram à guerra; Davi os derrotou em batalhas decisivas, chegando “até a entrada de Damasco” e fazendo de Damasco um protetorado sob supervisão de oficiais israelitas.
Prefeitos (governadores) foram estabelecidos em Aram-Damasco para administrar a região em nome de Davi. O rei de Hamate (Hamath), vizinho dos arameus, preferiu fazer aliança: Toí, rei de Hamate, enviou seu filho com presentes a Davi após este derrotar Zobá, buscando sua boa vontade (2 Samuel 8:9-10).
Ao final das campanhas, “suas vitórias cobriam um vasto território” abrangendo do Mediterrâneo (Filístia) ao deserto sírio e ao Golfo de Ácaba . Davi instalou guarnições em pontos estratégicos e impôs tributo aos povos vencidos, integrando-os como estados vassalos.
Esse sistema de vassalagem aumentou a riqueza do reino e dissuadiu rebeliões . A Bíblia resume que “o Senhor dava vitórias a Davi por onde quer que ele fosse” (2 Samuel 8:6,14) e que ele “fez nome” ao derrotar 18 mil edomitas no Vale do Sal . De fato, “Davi conseguiu triunfos decisivos sobre os inimigos de Israel, e Israel pôde expandir-se livremente, já que as superpotências Egito e Assíria estavam em declínio” no período .
Inovações Legislativas e Administrativas
Davi não foi apenas um conquistador, mas também um legislador e organizador habilidoso, consolidando internamente as bases de um Estado unificado. Um dos primeiros atos legislativos atribuídos a Davi ocorreu ainda antes de se tornar rei de todo Israel: após uma vitória sobre os amalecitas, Davi instituiu uma lei de partilha equitativa dos despojos de guerra. Ele determinou que os guerreiros que permaneceram guardando a bagagem receberiam a mesma parte do saque que aqueles que lutaram na linha de frente, “fazendo disso um estatuto e ordenança em Israel, até hoje” . Essa regra (1 Samuel 30:25) inovou ao reconhecer o princípio de justiça e meritocracia coletiva no exército, fortalecendo a coesão e lealdade de seus homens.
Como rei, Davi também se destacou por administrar justiça de forma centralizada em todo o país. É relatado que “Davi reinou sobre todo o Israel; ele administrava o direito e a justiça a todo o seu povo”. Com isso, Davi tornou-se a autoridade máxima em questões legais, substituindo o sistema fragmentado de juízes tribais.
Casos famosos, como o juízo de Davi sobre a disputa entre Mefibosete e Ziba (2 Samuel 19) ou a forma como atendeu a sábia de Tecoa (2 Samuel 14), ilustram seu papel ativo como juiz supremo. Seu senso de justiça também aparece no trato misericordioso dispensado ao sobrevivente da casa de Saul, Mefibosete, a quem Davi protegeu e honrou em memória da amizade com Jônatas – um gesto político-legislativo de respeito a alianças e clemência para com antigos rivais.
Administrativamente, Davi criou novos cargos e instituições para governar o reino unificado, muitas delas sem precedentes na época dos Juízes ou mesmo sob Saul. Registros bíblicos listam os principais oficiais do seu governo, revelando uma estrutura burocrática embrionária: Joabe era comandante do exército; Josafá, filho de Ailude, atuava como mazkir (cronista ou chanceler real, “aquele que faz lembrar” os assuntos do reino); Seraiá era sofer (secretário real, chefe da administração civil); dois sumo-sacerdotes compartilhavam funções (Zadoque e Abiatar, unindo facções sacerdotais do norte e sul); e Benaia, além de comandar a guarda real estrangeira, supervisionava os queretitas e peletitas(guarda-costas do rei). Também é mencionado Adonirão como encarregado do corvéia (trabalho forçado, ou impostos de labor) , indicando que Davi introduziu um sistema de trabalho estatal para obras públicas – algo que se desenvolveria mais sob Salomão, mas já esboçado no reinado davídico.
Essa administração centralizada representou uma grande inovação institucional. Lealdade pessoal ao rei passou a suplantar os antigos vínculos de clã como critério de status político. Com efeito, “a criação do aparato burocrático estatal minou a força dos clãs tribais em Israel, pois a partir de então a posição social não era mais determinada pela família de origem, mas pela lealdade pessoal ao rei”.
Davi, portanto, profissionalizou a gestão do reino: nomeou conselheiros (por exemplo, Aitofel, seu conselheiro de confiança) e até cargos honorários como o “amigo do rei” (re’e hammelekh) . Sob Davi, Israel começou a deixar de ser uma confederação tribal para se tornar um Estado rudimentar, com impostos, funcionários e arquivos – a menção de um cronista sugere registro escrito de atos do reino. Tais mudanças legislativas e administrativas prepararam o terreno para a era de prosperidade governamental do reinado de Salomão.
Inovações Monárquicas e Institucionais
No campo monárquico, Davi foi responsável por inovações que solidificaram a instituição da realeza em Israel. Em primeiro lugar, ele concretizou o Reino Unificado: após anos de guerra civil entre Judá (que o seguia) e Israel do Norte (leal a Isbosete, filho de Saul), Davi conseguiu unir todas as tribos sob uma única coroa em Hebron e, posteriormente, em Jerusalém . Essa unificação política foi sem precedentes – nenhum descendente de Davi após Salomão governaria novamente sobre todo Israel unido, o que realça o feito de Davi em manter a coesão nacional enquanto viveu .
Davi também fundou uma capital nacional nova, Jerusalém, escolhendo-a por critérios tanto estratégicos quanto simbólicos. Jerusalém era até então uma cidade-estado jebusita independente, sem laços tribais com Israel ou Judá. Ao conquistá-la, Davi pôde reivindicá-la como propriedade real direta (“tomou posse dela como território pessoal” ), tornando-a a “Cidade de Davi” (2 Samuel 5:9). A localização de Jerusalém era ideal: geograficamente central entre o norte (Israel) e o sul (Judá) e politicamente neutra, por não ter pertencido previamente a nenhuma tribo israelita . Com isso, Davi evitou favorecimento regional, e a cidade pôde ser desenvolvida de acordo com a visão pan-israelita do rei.
Jerusalém também possuía importância histórica local (era uma antiga cidade real cananeia) e um sistema de água próprio (fonte de Giom), o que a tornava apta a sediar uma administração e guarnição permanentes. Embora as escavações indiquem que a Jerusalém de Davi ainda era uma cidade relativamente pequena em termos de área , sua elevação a capital política (e logo também religiosa) foi “uma política muito inteligente” e de longo alcance , criando um centro de poder estável para o reino unido.
Outra inovação monárquica crucial foi a centralização do culto religioso nacional em torno da figura do rei e de Jerusalém. Davi trasladou a Arca da Aliança – o mais sagrado símbolo da fé israelita – de Quiriate-Jearim (Baalá de Judá) para Jerusalém em meio a grande celebração (2 Samuel 6).
Ao estabelecer a Arca na nova capital, Davi efetivamente uniu o centro político ao centro religioso do país . Jerusalém se tornou não apenas a sede do governo, mas também a “Cidade Santa”, laço espiritual entre as tribos. O culto comunitário de Israel, antes itinerante ou disperso, “converteu-se em culto monárquico oficial” . Davi organizou corporações de levitas, músicos e sacerdotes para o serviço religioso (conforme descrito em 1 Crônicas 23–25), preparando as bases institucionais para o futuro Templo.
De fato, Davi concebeu o projeto de construir um Templo central em Jerusalém para YHWH – um “Deus nacional dinástico” que acompanharia a casa real . Ainda que o templo em si viesse somente com Salomão, Davi acumulou materiais e deixou instruções, demonstrando sua visão de permanência da religião estatal unificada com a monarquia.
Paralelamente, Davi estabeleceu a ideia de uma dinastia permanente. Diferentemente de Saul, cuja casa não continuou no trono, Davi recebeu (segundo a narrativa bíblica) a promessa divina de que seus descendentes ocupariam o trono de Israel para sempre (aliança davídica, 2 Samuel 7:12-16). Esse Pacto Davídico foi uma inovação teológico-política: legitimou a monarquia hereditária como instituição duradoura em Israel, sob a proteção de Deus. Na prática, isso significava que a liderança de Israel deixava de ser escolhida pontualmente por clamor popular ou carisma profético (como ocorria com juízes e com Saul) e passava a ser estabelecida por linhagem, trazendo estabilidade sucessória.
A “casa de Davi” tornou-se sinônimo da realeza em Judá pelos séculos seguintes. Notavelmente, evidências arqueológicas apoiam a historicidade dessa dinastia: a estela de Tel Dan, um monumento aramaico do século IX a.C., menciona explicitamente o “rei da Casa de Davi” ao aludir a um rei de Judá derrotado . Trata-se do primeiro registro extrabíblico confirmando Davi como fundador de uma linhagem real, o que reforça a importância de sua figura e legado dinástico no antigo Oriente Próximo.
Em suma, as inovações monárquicas de Davi – unificação nacional, capital própria, culto centralizado e dinastia legitimada – institucionalizaram a monarquia israelita. Mesmo enfrentando desafios (rebeliões como as de Absalão e Seba mostraram tensões tribais remanescentes), Davi lançou as bases para um estado coeso.
Sob seu governo, “as tradições religiosas cananeias de Jerusalém continuaram vivas de forma adaptada… e a ideologia do reinado de Deus passou por mudança específica com a ideia da aliança davídica” , indicando que a realeza davídica incorporou e redefiniu tradições mais antigas para consolidar sua autoridade. A monarquia deixou de ser vista apenas como liderança militar temporária e passou a ser entendida como um ofício sagrado e permanente em Israel, com o rei como representante de Deus na terra, garantindo tanto a justiça quanto a proteção do povo.
Diplomacia e Comportamento Geopolítico de Davi
Além do uso da força, Davi exibiu notável habilidade diplomática ao lidar com nações vizinhas, inclusive inimigos tradicionais. Sua estratégia geopolítica mesclou alianças táticas, tratados de cooperação e clemência calculada, que complementaram as conquistas militares na consolidação do reino. Algumas das principais ações diplomáticas e parcerias de Davi incluem:
Aliança com Tiro (Fenícia): Davi estabeleceu relações amistosas com o rei Hirão de Tiro, uma potência fenícia comercial. Hirão enviou “madeira de cedro, carpinteiros e pedreiros” para construir o palácio de Davi em Jerusalém , em troca possivelmente de acesso privilegiado a rotas ou mercados israelitas. Esse laço diplomático gerou benefícios mútuos: Davi obteve materiais de construção de alta qualidade e know-how fenício, enquanto Tiro garantia um aliado ao sul e estabilidade numa importante rota terrestre. A aliança com Hirão perdurou no reinado de Salomão, indicando que Davi lançou fundamentos de uma parceria regional duradoura.
Relação ambígua com os Filisteus: Ironicamente, antes de se tornar rei de Israel, Davi buscou refúgio entre os filisteus quando fugia do rei Saul. Ele serviu ao rei filisteu Aquis de Gate como vassalo, recebendo a cidade de Ziclague para governar (1 Samuel 27:5-6). Davi conduziu então uma diplomacia de duplicidade calculada: enquanto aparentava lealdade a Aquis, atacava secretamente os inimigos dos israelitas (como amalequitas e outros), e não os próprios israelitas . Isso lhe granjeou a confiança de Aquis – que chegou a convocá-lo para lutar ao lado filisteu contra Israel – mas simultaneamente manteve sua aceitação entre os hebreus, pois ele protegia suas aldeias e repartia parte dos despojos “com os anciãos de Judá” para manter sua popularidade em casa .
O episódio em que Davi marcha com Aquis para a batalha, mas é vetado pelos príncipes filisteus desconfiados (1 Samuel 29), é revelador: os outros líderes filisteus temiam que Davi pudesse traí-los em combate . Davi acatou a decisão e retornou, o que acabou beneficiando-o – ele evitou o embate direto contra Saul (preservando sua legitimidade perante Israel) e ainda pôde salvar Ziclague de um ataque dos amalecitas em sua ausência. Observa-se aqui a maestria diplomática de Davi: ele navegou uma situação delicada, ganhando tempo e simpatia de ambos os lados sem se comprometer totalmente com nenhum. Posteriormente, já rei, Davi manteve alguns filisteus como aliados pessoais, como Itai, o gitita, que liderou tropas leais durante a revolta de Absalão (2 Samuel 15:18-21). Isso indica que Davi soube também integrar estrangeiros de nações inimigas à sua esfera de confiança quando isso servia aos interesses do reino.
Relações com Moab e outras nações: No início de sua carreira, Davi teve uma postura amigável com Moab, possivelmente devido a laços familiares (sua bisavó Rute era moabita). Ele chegou a confiar aos cuidados do rei de Moab os seus pais durante a fuga de Saul (1 Samuel 22:3-4). Contudo, mais tarde, quando firmou seu reino, Davi confrontou Moab militarmente e o subjugou .
As fontes não registram explicitamente o motivo da ruptura, mas especula-se que os moabitas podem ter deixado de cooperar, exigindo ação enérgica de Davi. De qualquer forma, Davi tratou Moab com menos destrutividade do que outros povos – ele não anexou o território, mas exigiu tributo, indicando uma diplomacia de vassalagem: tolerar governos locais desde que leais e tributários.
Situação parecida ocorreu com os amonitas: inicialmente Davi tentou mostrar amizade ao novo rei de Amom (enviando emissários de condolências pela morte do antigo rei, 2 Samuel 10:1-2), mas os amonitas humilharam os emissários e se aliaram a sírios contra Israel. Davi então reagiu em guerra, resultando na conquista de Rabá e na submissão amonita. Apesar da dureza na repressão (segundo 2 Samuel 12:31, Davi impôs trabalhos forçados aos cativos amonitas), o reino de Amom parece ter continuado existindo sob controle israelita indireto, demonstrando mais uma vez a política de domínio indireto via vassalos.
Alianças matrimoniais: Outra ferramenta diplomática foram os casamentos estratégicos. Davi tomou esposas de diversas origens, inclusive estrangeiras de linhagem régia. O caso mais notável é o de Maaca, filha de Talmai, rei de Gesur (2 Samuel 3:3). Ao desposá-la, Davi selou uma aliança com Gesur, pequeno reino arameu ao norte. Não há registro de conflitos entre Davi e Gesur; ao contrário, anos depois, quando Absalão (filho de Davi com Maaca) fugiu após matar Amnom, ele se refugiou justamente na corte de seu avô em Gesur (2 Samuel 13:37-38). Isso sugere que a relação diplomática permaneceu forte. Assim, por meio do matrimônio, Davi garantiu paz em fronteiras setentrionais, evitando a necessidade de campanhas militares ali.
Em conjunto, a diplomacia de Davi foi marcada pela pragmática construção de alianças e pela utilização da clemência ou rigor conforme a conveniência política. Ele soube quando estender a mão (como a Hirão, ou ao mostrar benevolência a antigos rivais domésticos da casa de Saul) e quando empunhar a espada. Essa abordagem flexível ampliou o prestígio internacional de Israel. Muitos povos vizinhos preferiram render-se ou buscar amizade em vez de enfrentar Davi em combate.
Conforme o relato bíblico, “todos os reis da região, até o Eufrates, pagavam-lhe tributos” e serviram a Davi de alguma forma . Evidências extrabíblicas corroboram esse cenário: por exemplo, a Estela de Mesa (Moabe, séc. IX a.C.) menciona que Moab fora vassalo de Israel antes de se rebelar – possivelmente uma referência ao domínio iniciado por Davi.
No auge de seu reinado, Davi havia construído um sistema de alianças e estados clientes que garantiu segurança nas fronteiras e projeção de poder. Sua fama transcendeu Israel: “a fama de Davi correu por todas as terras, e o SENHOR fez com que todas as nações o temessem” . Em suma, a diplomacia davídica, aliada às vitórias militares, fez com que Israel deixasse de ser um ator marginal e se tornasse um reino respeitado (e temido) no cenário do Antigo Oriente Próximo.
Consolidação do Reino Unificado e Prestígio de Davi
As inovações e ações de Davi analisadas acima – militares, governamentais e diplomáticas – convergiram para consolidar o Reino Unificado de Israel e elevar o prestígio do rei Davi a patamares lendários. Militarmente, ao eliminar ameaças externas e garantir fronteiras estáveis, Davi criou as condições para a integração econômica e administrativa das tribos. Territórios antes sob constante ataque passaram a desfrutar de segurança, facilitando comércio e comunicação entre as regiões de norte a sul.
Politicamente, as reformas administrativas e a centralização do poder em Jerusalém minaram as divisões tribais e deram aos israelitas um senso de identidade nacional unificada sob a liderança carismática de Davi . O reinado passou a ter continuidade garantida (dinastia davídica) e uma capital simbólica, fatores que reforçam a estabilidade interna.
No campo diplomático, Davi alcançou um equilíbrio geopolítico vantajoso: ele era respeitado tanto por aliados quanto por antigos inimigos. Povos submetidos foram incorporados como vassalos, não aniquilados, o que manteve a ordem regional e transformou inimigos em fontes de tributo e cooperação .
Simultaneamente, alianças como a com Tiro trouxeram reconhecimento internacional e recursos materiais, incrementando o desenvolvimento do reino. O nome de Davi tornou-se sinônimo de poder regional – como notado, até reis estrangeiros décadas depois se referiam aos reis de Judá como pertencentes à “Casa de Davi” , atestando o prestígio duradouro de sua dinastia.
Do ponto de vista cultural e religioso, Davi também consolidou prestígio: ele é lembrado como o “rei poeta” (autor de muitos Salmos) e o monarca “segundo o coração de Deus”, reforçando sua autoridade moral e religiosa sobre o povo.
A transferência da Arca da Aliança para Jerusalém e a preparação do futuro templo centralizaram o culto e legitimaram sacralmente a posição de Davi e seus sucessores. As vitórias contra inimigos históricos de Israel foram interpretadas pelos cronistas como prova da bênção divina sobre Davi , o que aumentou seu capital simbólico entre as nações – Davi era visto não apenas como guerreiro habilidoso, mas como ungido de Deus, fator que outros povos do antigo Oriente também reconheciam em suas relações com Israel. Por fim, do prisma arqueológico e histórico, embora debates existam sobre a extensão exata do domínio de Davi, há indícios concretos de um reino forte e centralizado no século X a.C.
Fortificações e cidades daquela época (por exemplo, em Khirbet Qeiyafa, Beit Shean, Megido e Gezer) sugerem construção e planejamento urbanos compatíveis com um governo central. Inscrições como a Estela de Tel Dan e possivelmente a Estela de Mesa confirmam interações entre a dinastia davídica e outros reinos.
Um fragmento de cerâmica (ostracon) em Khirbet Qeiyafa, datado do início do século X a.C., trouxe escrita administrativa que alguns atribuem a um reino davídico em formação. Também em Jerusalém, escavações identificaram grandes estruturas (como a chamada “Grande Estrutura de Pedra”) que alguns arqueólogos interpretam como obras monumentais do período de Davi ou Salomão . Em síntese, “arqueólogos encontraram vestígios que corroboram a existência de um reino forte no período de Davi, incluindo fortalezas, cidades muradas e inscrições indicando uma administração centralizada” . Ainda que haja divergências sobre os detalhes, o quadro geral aponta que, sob Davi, Israel deu um salto de organização sociopolítica e ganhou projeção regional.
Conclusão
O reinado de Davi representa um marco transformador na história de Israel. Por meio de inovações militares (exércitos permanentes, novas táticas e conquistas territoriais), inovações legislativas (leis equitativas e justiça centralizada) e inovações monárquicas (capital nacional, culto unificado e dinastia estável), Davi lançou os alicerces do que se tornaria o “Reino Unido” de Israel. Sua perícia diplomática – equilibrando alianças e dissuasão – assegurou que esse reino prosperasse em meio a potências vizinhas, mesmo num período em que impérios maiores estavam enfraquecidos.
O resultado foi a consolidação de Israel como um Estado unificado e respeitado, gozando de paz relativa durante os últimos anos de Davi e os iniciais de Salomão. Davi tornou-se, assim, não apenas um personagem bíblico reverenciado, mas um governante histórico cuja marca civilizacional perdurou: a ideia de um Israel forte, unido, justo internamente e soberano externamente. Seu legado permeou os séculos seguintes, moldando a identidade nacional israelita e inspirando esperanças messiânicas de um rei ideal. Em suma, as inovações e ações de Davi fizeram dele o paradigma do grande rei – aquele que “apacentou o seu povo com integridade de coração, e os guiou com mãos experientes” (Salmo 78:72), consolidando um império regional e deixando um nome exaltado “em todas as terras” .
Fontes Consultadas: Bíblia (1–2 Samuel, 1 Crônicas), registros históricos e análises acadêmicas sobre a monarquia unida, e descobertas arqueológicas (como a Estela de Tel Dan) que sustentam elementos da narrativa davídica. Essas fontes, em conjunto, permitem compor um retrato abrangente de Davi como estrategista militar, legislador sagaz, monarca institucional e diplomata habilidoso – fatores que explicam seu reconhecimento como o maior rei de Israel.


